domingo, 28 de abril de 2013

Deumus

Cansado,
desgraçado,
eu
sem dinheiro,
mas com o coração
batendo desengonçado
e a coação dos meus.

Sentado, na beira do pier
jogando xadrez, comigo mesmo,
onde dizem que fico a ver navios,
mas onde até hoje não vi navio algum.

Desisto desse jogo,
e jogo as peças e o tabuleiro,
acho uma concha de caramujo,
da para ouvir o mar;
posso sentir o cheiro...

Parece que
a noite,
pelo menos,
o mar me ouve...
Mas só parece,
porque o mar
não tem audição.

Agora sei que passo a impressão
de que me faço de surdo para o universo,
mas, por vezes,
sinto que todo esse universo
é que se faz de surdo para mim.

"Universo de pessoas",
que não são um "uníssono",
se desesperam em dúvidas,
brigam por dívidas,
juram, e jogam
coisas indevidas
que não estão divididas
em seus devidos lugares.

Me incomodam,
vulgares!

Fantasio...
Que bom seria...
Se o "homem médio e a mulher honesta"
e os ignorantes que amam
o que até para os dementes seria escalafobético,
fossem escanchelados por seres malacafélicos!

Comuns,
me perturbam!

Pois não estão organizados,
por ordem ou  função,
e por serem todos tão comuns,
recebendo ordens,
exercendo somente suas funções,
para no fim de semana ligar a televisão
e ver nádegas ao lado dos filhos.

Ora, se querem ver nádegas,
 vão a praia,
ao parque!
Desenhem nádegas!
Aprendam a esculpir bundas!

Mas ainda digo,
precisam de ordem!
Mas ordem sem obrigação.
não um exercito,
não!

O ser humano ainda
tem sua ordem natural?

Vagabundos, que sejam!
Mas que raciocinem e deixem
esse júbilo pelo bélico!

Sem poluição sonora,
nesse mar
um terceiro banho,
até que me cairia bem.

(Rhangel Ribeiro)



O Rei dos Bobos

O Rei dos bobos,
como em festejos juninos
sapateava e dançava elegante
nas marcações quiméricas
dos pisos extravagantes
feitos de raros
azulejos joaninos.

Ele cantava,
dançava
e caçoava do rei,
que  loucamente ria
e repetidas vezes dizia:

 "Oh, adorei! Adorei!
Mais uma vez, mais uma vez!"

Mas quando o dia morria...

O 'rei' dos bobos,
era só um bobo,

como todos os outros bobos daquela corte.

Descendo as ruas,
observando as luas,

ou aquela limpeza
de 'lençol azul escuro'
das noites desnudas
quando nem a lua da as caras...

Até ele,
o 'rei dos bobos'
chegar em casa,
tirar seu chapéu de civil,
suas sapatilhas pontudas,
quando então
já não era mesmo mais 'rei'.

Era só um ser vil...

um velhote mesquinho
que ninguém queria,

sem ter quem chore,
sem ter quem ria...

Não, não mais o 'rei',
mas um bobo só!

E sendo só um bobo,
escovava seus dentes,
com sua escova de cerdas macías
feitas com os pêlos dos porcos,

E como todos os bobos!
Olhava a água descer
em 'redemoinho',
junto com seu reflexo,
pelo ralo enferrujado da pia...

E dormia
descansando
para mais um dia,
de guizos, e risos
canções e saltos,

saltos altos,
'patifarias'
de um bobo ridículo,
de um  velho bufão,

com chapeau Bouffon!

(Rhangel Ribeiro)

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Scriba

O valor
tanto faz,
como tanto fez
tudo que eu "tanto fiz"
foi escrever.

Escrever
é só o que eu sei;
embora a vida
tenha me obrigado
a falar,
a desenhar,
tirar fotografias,
andar de bicicleta,
cumprimentar estranhos ,
sair do meu universo,
calçar minhas meias,
abotoar camisas,
amarrar os cadarços dos tênis
e olhar as horas no relógio de ponteiros.

Escrever,
é só o que eu sei,
tanto que nem sei se sou eu
quem escreve,
ou se já sou o que escrevo.
Tem vezes que nem sei que diabos sou eu,
só sei que esse meu "eu"
só sabe escrever

e é tudo que sabe,
tudo que cabe
nesse verbo

"escrever"

e isso é tudo.

(Rhangel Ribeiro)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Deus é silêncio

Ainda,
de tempos em tempos
eu também preciso de um deus;

e enquanto os homens
(esses seres tão lentos...),
que se perguntam:
"onde estará deus no momento!?"
fazem barulhos nos templos,
clamando por salvação!

Eu só me deito,
e penso,
e pensando
é que sou "alado",
dou "asas" à imaginação.

Penso que,
com certeza,
deus pensa...

Acho que deus
e eu
somos até parecidos...

Todo olhos
e ouvidos,
preferindo silêncio dos filhos
que respeitam
o pai que sabe

aos ruídos
da pregação.

Quem sabe...
Deus é silêncio,

mas ainda tem coração.

Quem sabe
ele só está calado
porque é um velho, com ouvidos tampados
quando ligam essas caixas de som!

Homens,  pobres homens!
Acham que a humanidade tem muito o que falar,
sem imaginar

que talvez
deus
tenha se
cansado de só escutar,
sabendo que os homens
ainda  tem muito

 o que ouvir.

(Rhangel Ribeiro)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O espertar repentino

E de repente
eu era poeta.

E de repente
ela sabia.

E de repente
ela era a palavra.

E de repente
nós fomos poesia.

E de repente
era todo sábado.

E de repente
 era todo dia.

E de repente
eu fiquei tão prático

que de repente
ela era uma sílaba .

E de repente
eramos dízimas,

de repente
dúzias, divisíveis...

E de repente
eramos zero,

de repente
invisíveis...

E de repente
ela era um sussurro,

e de repente
ela era um resumo,

e de repente
eu fiquei tão leve...

E de repente
eu fiquei tão burro...

E de repente
nós íamos tão longe
que de repente ela existia!

E de repente
 não fomos
nem esse"de repente"

que tanto
 se repetia.

(Rhangel Ribeiro)