segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Móbiles

Desligado,
em qualquer rua do centro da cidade,
desci até o subterrâneo
de uma loja com portas de vidro;

vi um teto de noite estrelada
e fileiras de berços com móbiles,
personagens, animais e galáxias
que ficavam girando e girando...
Para distrair um filho
que  ainda não havia chegado.

Ah, se nossos bebês soubessem!
Que podem ter o sistema solar ao alcance dos dedos
quando ainda não existe o medo
de demonstrar o medo que se tem!

Pobrezinhos,
eles ainda não sabem
do crescer,
do virar adulto,
do falecer
e do virar adubo.

Mas mesmo assim vão crescendo
indiscriminadamente
e deixam de chorar com toda força
sem medo de serem chamados de fracos,
e de rir naquela alegria espontânea
que, talvez, só quem não entende nada
entenda.

E envelhecem...
Até seus nomes ficarem ligados
apenas a uma lembrança,
que vai sumindo, e sumindo...
Até virar poeira.

No fim das contas
é tudo a mesma coisa,
e todas as coisas estão ligadas...
e assim como os bebês
ainda não entendemos
que todas as etapas são necessárias.

Ah, se esses bebês  soubessem!
Que não passamos da peça central de um móbile
com interrogações dependuradas ao redor,
que é parte de um móbile maior
do qual, felizmente,
não estamos no centro.

(Rhangel Ribeiro)


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Decepções

Se até a indiferença decepciona
a decepção jamais é indiferente,
perturba os iguais e os diferentes
e igualmente
os que arriscam ou ambicionam.

Ela é um fantasma com as mãos enfiadas dentro dos bolsos,
é o tumulo das ideologias vencidas,
e o calabouço dos desejos irrealizáveis.

Ela persegue os miseráveis,
os medíocres, os ricos,
o maduro e o podre
os pastores e os padres...

A decepção é, potencialmente, o abandono da esperança;
testa a fé, a descrença e provoca a piedade.
Não se importa com o que é "sagrado" ou "importante",
e é  pesadelo de homens de boa, e de má vontade.

Se adaptar a ela
é fundamental para a sobrevivência humana
(e de tantos outros animais...).

A decepção não é algo novo,
mas, por vezes, faz parte do processo em que as coisas novas surgem;
pois não é apenas inerente aos fracassados, aos que erram e aos que perdem,
mas também aos que tentam,
que mudam,
que conseguem,
que se renovam,
e que ressurgem!

Ainda que tardiamente,
quando já não existem

decepções.

(Rhangel Ribeiro)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Manual prático de existencia


Aquela ave assobiando
aquele canto inacabado
do compositor desafinado
seguia me desafiando...

Não poderia adiar mais um dia.

Levantei com um sol que me batia na cara
como se me chamasse pra briga,
e tomei um desjejum de rei
para aguentar quem tem o rei na barriga.

Saí pensativo...

É demasiado esquisito
a existência ainda não ter um manual prático.

Sofro porque existo!
Talvez soe até antipático...

Mas sou aquele tipo de chato
que ainda espera o dia
e ainda aguarda o instante
em que sua antipatia
se tornará cativante!

É diferente, entende?
(e quem entenderia...)

E de repente,
não mais que...
em plena correria
me ocorria
que se existisse mesmo
 um manual prático de existência
certamente esse manual diria:

'Dispense esse dia a dia intolerável,
esse dispersar de amanhecer que lhe entardece,
insignificância, grandeza... Esquece
que até mesmo o perfeito um dia vai acabar!'

Diria,
mas não existe
só o que existe
é nossa capacidade de pensar!

E vejam só...
Pensei tanto
que me perdi.


(Rhangel Ribeiro)