domingo, 27 de dezembro de 2015

Bravus

A camareira ajeita a cama,
enquanto nobres sentam-se à mesa
e a copeira serve mais sopa,
dentro dos muros da fortaleza.

Lá maquinam o decepamento de asas,
ao som obscuro da música sacra.
E eis que é um anjo dedilhando a harpa
no interior profano daquela casa.

Os banquetes devorados aos berros,
com os mais belos talheres de prata.
Mil damas para cada farra,
entre cortinas blindadas à ferro.

Tudo que o ouro pode ter
e o ouro compra de tudo.
Se conhecimento é poder
eis a maior biblioteca do mundo.

Masmorras em construção,
guardas em todos os portões.
Medalhas aos medalhões,
vigilância e proteção.

Se aproxima um barco à vela.
O rei grita ''piratas!'' e compara tripulantes a ladrões.
O sacrifício do povo para defender a cidadela.
Em qualquer ponto do atlas, mirando seus canhões.

Moças e moços em sacrifício
ou crianças em seus porões,
morrerão jogados em hospícios
ou presos à  grilhões.

Sem títulos ou condecorações,
sem histórias sobre suas façanhas.
Não irão escrever canções
sobre cada batalha ganha.

Os que estenderam a mão aos famintos,
no império construído sobre a fome,
não terão bosques com seus nomes,
nem festas regadas à tinto.

São jovens em suas garagens.
Prisioneiros no calabouço.
Os esmagados por engrenagens,
os que salvam o dia na pausa para o almoço.

(Rhangel Ribeiro)



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Contracorrente

O logotipo da indústria mudou.
Mas não a diretoria.
Aumenta o Ibope, o lucro, a freguesia,
só porque o muro trocou de cor. 
Não adianta buscar respostas 
ou deixar para dormir mais tarde. 
O mundo tem pessoas que sabem mentir
melhor do que você sabe contar a verdade.  

E repetem: aceite, aceite, aceite.
Todos acham que sabem de tudo.
Odeiam porque a moda é odiar.
Amam porque  moda é amar.
Seu  recado está embaixo da tinta daquele muro. 

Você se desespera,
você não entende.  
Em toda guerra 
o bom senso é contracorrente.

Você não vai voltar para casa. 
Sapatos estão espalhados pela estrada. 
Cartas são jogadas fora. 
Sem CEP, sem destino, sem selo.  
Em uma noite gelada, 
você corre pela calçada 
para abraçar um cubo de gelo
e ver se ele está frio. 

Parece o fim, 
mas você descobre que ainda está vivo.

(Rhangel Ribeiro)