quarta-feira, 7 de maio de 2014

O Andarilho


Sou um andarilho.
Sou um sujeito oculto.
Me equilibro nos trilhos da linha férrea,
me recosto nas colunas,
debaixo das marquises;
sou aquele que se arrasta
a procura da companhia da poesia bêbada.
O que evita se acostumar  com as coisas ruins,
tentando mensurar a complexidade do pensamento univérsico.

Caminhando invisível
vi sorrisos em campos de batalha,
lagrimas na platéia de um circo mambembe.
Casais trocando caricias nos templos do deus Sol,
sussurrando "amor, você pensa demais..."
eu vi o amor, juro que vi
mesmo sendo um solitário.

Sou um andarilho.
Pedindo trocados,
profetizando o Apocalipse,
estou em qualquer lugar, menos onde deveria estar.
Sei que ninguém é obrigado a olhar para a minha cara nesse estado,
então vou para outro, e para outro...

Li um capítulo de um livro sem lógica
onde aprendi que a sabedoria mora na certeza do abstrato.
Viver é uma aula, e já haviam me ensinado tanto...
Mas fui sábio o bastante para esquecer a matéria.

Sou o andarilho
que por andar tanto aprendeu
que todo-santo-dia é uma despedida
para quem vai de carona
no cangote desses monstros barulhentos,
que soltam veneno pelas ventas,
estremecem ladeiras,
iluminam varandas,
e racham o Anti-pó.

Inalei poeira de estrada,
e fui eu a própria poeira.
Respirei oxigênio alheio,
desviei de ratoeiras,
comprovei que desconhecidos preocupados existem
e conhecidos que estão 'nem-aí' também.

Sou um andarilho.
Sou uma ilha cercada de gente por todos os lados.
Fujo da brutalidade do mundo
nos encanamentos de minha própria mente,
por dentro nada é bruto.
Preciso de sonhos tristes para lembrar que estou vivo,
e de pesadelos para lembrar que sou gente.

(Rhangel Ribeiro)